CEO da Agrosmart: ‘Técnica do trabalho pode ser aprendida, busco habilidades para o futuro’

Ter um perfil de aprendizagem, avançando para além da técnica, com tempo dedicado a projetos sociais, marketing digital e tecnologia, por exemplo, leva um profissional mais longe, porque são habilidades que apontam para o futuro do trabalho, avalia Mariana Vasconcelos, cofundadora e CEO da Agrosmart, startup voltada para a transição tecnológica do agronegócio.

Aos 32 anos, a empreendedora — especialista em agricultura digital e com nomeações como a de Jovem Líder Global pelo Fórum Econômico Mundial — é a entrevistada desta semana de Palavra de CEO, série do GLOBO do projeto Tem Que Ler, de conteúdos exclusivos para assinantes. E que mostra como líderes de empresas de diferentes portes, perfis e vocação enxergam o profissional ideal para mercado que está por vir.

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A administradora sublinha ter enfrentado, por ser mulher, desafios para colocar sua solução no mercado, ser respeitada e levantar investimento. E conta como lidou com retaliações num setor conservador ao promover debate sobre diversidade no mês do orgulho LGBTQIAP+. Ela diz que a vida é curta para se trabalhar com quem é chato, reforçando a importância da empresa ter um bom ambiente.

Para Mariana, à frente de uma startup que atua junto a mais de cem mil produtores na América Latina, eleger um sócio investidor “é igual a eleger marido”. Neste primeiro vídeo, de perguntas como “Remoto, presencial ou híbrido?”, ela fala dos desafios de ter empreendido tão jovem.

CONTRATAÇÃO IRRESISTÍVEL: “Quem desenvolveu habilidades para o futuro do trabalho, como projetos sociais, marketing digital, programação”

Eu gosto bastante de perfis de pessoas que têm uma experiência combinada, onde além daquilo que ela fez na tarefa, no cargo em específico, também desenvolveu habilidades que são requeridas para o futuro do trabalho, o que essa pessoa fez em termos de projetos sociais, marketing digital, ferramentas de programação.

Ou seja, como, além da caixinha, essa pessoa buscou se desenvolver em habilidades que vão contar para o futuro, porque eu acho que a técnica do trabalho pode ser aprendida e desenvolvida, mas esse perfil de aprendizagem, de pessoas que gostam de buscar novos conhecimentos, de explorar o que vai além do escopo, é interessante.

Eu sei que com essas habilidades esse profissional vai conseguir aprender e descobrir caminhos para a evolução do nosso negócio.

CRESCIMENTO PROFISSIONAL: “Investir, se familiarizar com ferramentas de IA, incorporá-las em rotinas de trabalho”

Vamos falar de inteligência artificial. Para alguém que está começando a trabalhar é essencial aprender e se familiarizar com ferramentas, independente da área em que a pessoa atua, porque essa ferramenta, como a inteligência artificial generativa, o ChatGPT, por exemplo, vai criar um gap (lacuna) muito grande entre quem usa e quem não usa.

Eu recomendaria investirem, se familiarizarem com essas ferramentas, incorporá-las nas rotinas de trabalho. Quanto mais essas pessoas desenvolverem essas habilidades, de saber programar, de saber fazer análise de dados, eu acho que tudo isso é rico para qualquer área de trabalho.

TIME DE SUCESSO: “Fundamental para o convencimento na hora de trazer pessoas é estar conectado com propósito”

Tivemos vários casos de pessoas que fizeram carreira em multinacional, chegaram a cargos de bastante sonoridade e resolveram vir trabalhar em uma startup. E o principal fator que incentiva essa mudança está conectado com propósito.

Às vezes, (a pessoa diz:) “eu sempre performei, fiz aqui uma carreira, mas algo falta em mim, eu queria deixar um impacto maior para o mundo”. Eu acho que é buscar essa conexão com o que alimenta aquele ser humano, além daquele profissional, e buscar empresas que eventualmente estão endereçando essa dor.

A agricultura tem muitas (pessoas que pensam) “eu quero me conectar com a natureza”, “eu quero gerar um impacto no meio ambiente maior”, “eu quero garantir a segurança alimentar”. Isso foi fundamental até para o meu convencimento para trazer essas pessoas para nossa equipe, de como que a gente transfere aquela experiência de um cenário mais estruturado para um que é muito mais dinâmico, ágil, mas que eu sei que vai conseguir se encaixar através desse propósito.

DIVERSIDADE: “Permite entender um problema por diversas lentes, e isso traz soluções mais ricas”

Tem que ser prioridade dentro das companhias. A diversidade permite ter melhor perspectiva de um problema, entender esse problema por diversas lentes, e isso traz soluções mais ricas. Tem que ser prioridade do time de gestão garantir que a composição da equipe traga diversidade de gênero, de etnia, racial, etária inclusive, para poder entender melhor.

Depois, é trazer educação, consciência, falar do assunto, introduzir a oportunidade de se trabalhar na diversidade no dia a dia do profissional. Porque existe, e a gente já passou por isso, gap geracional. E existe uma mudança de como cada pessoa enxerga a diversidade, as respostas. E trazer esse assunto à tona, incluindo as dúvidas e as inseguranças, é super importante para a gente se conectar melhor como ser humano. A gente buscou compor a nossa equipe tendo isso como um valor.

Eu sofri muitos desafios como mulher na liderança para conseguir introduzir a minha solução no mercado, para ser respeitada, para levantar investimento. E a gente tenta colocar isso em evidência dentro da nossa equipe para reforçar que existe o espaço, que precisa tentar e ir dando espaço para outras minorias (em representação) dentro e fora da organização, para a gente trazer o tópico à tona.

A gente também aprendeu, e principalmente no agronegócio, quando trouxe alguns pontos de diversidade, como no mês do orgulho LGBTQIAP+. A gente sofreu muita retaliação dentro de um mercado tradicional e conservador. E sempre escolheu ser essa liderança que respeita, traz a discussão para dentro dos espaços que a gente convive.

COMO LIDAR COM CRISES: “Nessa hora, o foco é rei. Vão cair pratos. Tem que escolher que prato que vai cair”

A gente vem vivendo um momento de escassez de capital e que coloca muita pressão no nosso setor de tecnologia, que foi bastante afetado e no qual é momento de atenção e de dar um gás. Como que a gente direciona energia, foco da melhor maneira possível?

Nessa hora, o foco é rei. Vão cair pratos (numa alusão ao equilibrista rodando pratinhos). Tem que escolher que prato que vai cair, para onde que a gente vai direcionar energia para que a gente consiga o melhor resultado.

Importante saber quais os 20% de esforço que vão gerar 80% do resultado, além de que todo mundo esteja alinhado neste foco para a gente poder redistribuir o peso. Se é escassez, não tem recurso, não tem pessoas, como que a gente realiza as prioridades? Escolhe poucos focos para que todo mundo consiga direcionar a energia.

Eventualmente, no momento de escassez e crise, a gente vai ter que trabalhar com maior intensidade, mais horas. E aí é a hora mais importante de levantar a mão quando precisar parar. E descansar. Porque, se não descansar, não vai conseguir manter esse gás que a gente precisa. E há o efeito. Tem que tirar férias, sim. Tem que tirar lua de mel. A vida não para porque a gente está no momento de crise, de escassez. A comunicação é fundamental para que a gente trabalhe como uma equipe e não deixe o peso em uma pessoa só.

COMO ATRAIR INVESTIDORES: “Eleger um sócio é igual a eleger marido ou esposa. Como é o relacionamento quando as coisas estão difíceis?”

A prioridade é não pensar somente no recurso financeiro. Existe capital disponível e de diferentes frentes. E, além de no capital de investimento, na companhia, a gente precisa pensar o que essa pessoa traz para mesa, além do dinheiro.

O que essas pessoas trazem para mesa, do ponto de vista estratégico do negócio? Ele vai virar um cliente ou ele consegue ser um canal de aquisição de clientes no mercado, ele entende muito de uma tecnologia, de um produto que vai me trazer um diferencial competitivo no mercado. Isso é importante.

Mas também como ele é como pessoa. Eu gosto de conviver com essa pessoa? Existe essa energia, essa facilidade na comunicação, no diálogo, na convivência? O que que outros fundadores (de outros negócios) que foram investidos por essa empresa dizem? Como eles (os investidores) se comportam na hora que está difícil? Na hora que a gente tem uma crise?

Eleger um sócio é igual a eleger marido ou esposa. A gente vai conviver por um longo período de tempo. Como é o relacionamento quando as coisas estão difíceis? Como é a divisão de responsabilidades dentro de casa, do que cada um assume, performa? Quais são esses combinados? São reflexões importantes. Muito além do quanto de dinheiro alguém vai colocar numa empresa, é como que essa dinâmica de convivência vai acontecer e onde agrega valor para o desenvolvimento profissional e para a convivência pessoal.

PARA ATUAR NUMA AGRITECH: “O quanto essa pessoa já começou da jornada por si? A pessoa é curiosa? Ela testou a ferramenta?”

Quase toda empresa de tecnologia resolve um problema e, muitas vezes, esse problema não nasce na tecnologia. Ele nasce no dia a dia, na rotina. No caso da agricultura, no dia a dia do campo. Então, não precisa entender de tecnologia para trabalhar numa empresa de tecnologia. Precisa, talvez, entender do problema ou de uma área do conhecimento específica, seja agronômica, de marketing, de venda, em que vai trazer uma técnica que eventualmente possa ser digitalizada.

O que eu recomendo e é muito do que a gente faz, porque a gente tem muitas pessoas que vêm de empresas tradicionais do mercado de agronomia, de negócios, é que a gente acaba inserindo essa mentalidade de digitalização, de tecnologia em tudo que faz.

Minha dica para quem está começando e também sobre o que faz um candidato irresistível é: o quanto essa pessoa já começou da jornada por si? Não é necessário, mas a pessoa é curiosa? Ela testou a ferramenta? Ela tem algum projeto de hobby ali no dia a dia?

É muito importante que todas as áreas consigam adquirir a mentalidade, as ferramentas para ter uma produção de trabalho mais eficiente e com melhor qualidade. Mas não é um pré-requisito. Ela pode aprender no caminho.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS: “Onde tem problema tem oportunidade. Existe um espaço enorme para inovação, para o desenvolvimento de negócios”

Se a gente enxerga isso como um problema, é importante entender que onde tem problema tem oportunidade. Existe um espaço enorme para inovação, para o desenvolvimento de negócios que são feitos de achar e resolver um problema. Existe muita oportunidade dentro do agro. É dos setores com bastante potencial de impacto.

Eu vejo o agronegócio, em específico com as mudanças climáticas, como parte da solução, porque ele é um dos poucos setores da economia que tem capacidade não só de mitigar as emissões, mas de absorver o carbono da atmosfera e de regenerar o meio ambiente.

Tem um papel nas emissões dos gases de efeito estufa que intensificam aquecimento global e isso precisa ser endereçado. E tem um papel porque depende do clima, já que grande parte da produção agrícola é a céu aberto. Se tem eventos climáticos extremos como vêm acontecendo, o agro é afetado, ele não produz. Isso é uma crise de redução alimentar. Então ele está ligado com o clima tanto na parte de investigação quanto de resiliência e adaptação. Precisa ser resiliente para produzir.

A necessidade de adoção de modelos de produção mais sustentáveis é muito importante. Mas isso não é uma punição, é uma oportunidade porque a natureza e o agro não são excludentes. Pelo contrário, o agro usa a natureza e pode regenerar e melhorar a natureza através da sua produção.

O agro tem um efeito líquido positivo e que não é só o de minimizar o efeito negativo. Sou muito otimista com esse potencial que nós temos como país de liderar essa transição e não só ajudar a resolver a crise climática, mas partir para um ponto melhor de regeneração e recuperação dos nossos ecossistemas. É possível produzir, ter renda e, ao mesmo tempo, proteger, recuperar e regenerar o nosso meio ambiente.

COMPETITIVIDADE: “A vida é muito curta para se trabalhar com quem é chato. Ser um bom lugar é um diferencial”

Ser um bom lugar para trabalhar, onde as pessoas consigam respeitar a sua própria versão e ser mais próximo da sua essência, é razão para estar e querer ficar (na empresa). Ser esse ambiente seguro muitas vezes é visto como um benefício, inclusive maior que a remuneração financeira. A geração mais jovem vem colocando cada vez mais essa qualidade (como destaque).

Esses dias, vi um meme na internet e que eu achei legal, que diz que a vida é muito curta para a gente trabalhar com quem é chato. Ter essa qualidade em que a gente se diverte no trabalho, convive com pessoas que são agradáveis e que a gente gosta é a cultura. E ela é muito importante para selecionar aqueles alinhamentos com quem a gente gosta de estar, o meio que a gente respeite os valores e as diferenças entre cada um, mas ainda assim se divirta. Isso é um diferencial combustível para atrair talento.

Sempre que a gente vê uma iniciativa, antes de sair fazendo, pergunta para nossa equipe se esse tipo de benefício, essa atividade os energiza. Esse diálogo entre o que esse time valoriza, entre um pacote de benefício de remuneração e de atividades é importante na hora de definir esse ambiente competitivo que vai atrair talentos.

TRABALHO E VIDA PESSOAL: “Exponho para o meu time os meus pais, o meu marido, as minhas dúvidas, minhas aflições pessoais”

Esse é um grande desafio da geração e principalmente para nós mulheres. Não tem resposta certa. O que eu recomendo e o que a gente trabalha é que cada um encontre esse equilíbrio, o que funciona para eles (colaboradores).

A maneira que eu encontrei é não ter separação da vida pessoal e da vida profissional. Eu trago a minha vida e a minha família para o meu trabalho e vice-versa. Então eu exponho para o meu time os meus pais, o meu marido, as minhas dúvidas, minhas aflições pessoais.

Eu tenho uma agenda: esse é o momento da família, esse é o da academia, esse é o da terapia. E se esse momento é 2h da tarde, 3h da tarde, não tem problema. A gente tem essa transparência de estar focado naquelas coisas que são importantes para o nosso equilíbrio pessoal naquele momento.

A minha resposta foi juntar tudo, e sou muito transparente quando estou priorizando a minha família, as minhas questões pessoais ou quando eu estou mais focada no trabalho.

TRABALHO E SAÚDE MENTAL: “Se quero chorar, eu choro. Se estou sendo vulnerável, todo mundo pode ser”

É prioridade. Eu começo com meu papel como liderança de ser vulnerável, de compartilhar o meu momento, a minha história, como eu estou me sentindo, para que as pessoas sintam segurança de que elas também podem (fazer isso).

Tem dias em que estou muito ansiosa. Se quero chorar, eu choro. Ou estou com dor de cabeça e vou cancelar as minhas reuniões. Busco trazer para minha equipe o que eu estou pensando e o que estou sentindo para mostrar que, se eu estou sendo vulnerável, todo mundo pode ser.

E a gente estimula o respeito aos próprios limites, muito mais do que uma regra e um espaço definido. Cada pessoa é diferente, tem um limite próprio do quanto pode trabalhar, do que a energiza ou desenergiza. É criar espaço seguro para que as pessoas possam ser quem elas são e respeitar o limite diferente de cada um. Formalmente, a gente também incentiva, através do nosso pacote de benefícios, a adesão à terapia, seja psicólogo, processos de coaching para ter esse acompanhamento constante.

Tem um espaço para a gente encontrar como respeitar o limite de cada um sem deixar de olhar o lado da empresa. Porque um desafio que temos como startup é que, diferentemente de uma grande organização, a gente às vezes tem um para cada função. Existe esse espírito de equipe que, muitas vezes, redistribui, se reorganiza temporariamente para conseguir apoiar a pessoa que está precisando naquele momento.

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