Telemedicina reduz exames desnecessários, afirmam cientistas

“A adoção da telemedicina foi associada a um uso modestamente menor e a gastos com alguns testes de baixo valor, apesar de um pequeno aumento no total de consultas que podem oferecer mais oportunidades de testes”, afirma um estudo realizado por pesquisadores do Mass General Brigham. A pesquisa foi publicada no JAMA Internal Medicine.

Segundo o autor principal do estudo, Ishani Ganguli, a adoção generalizada da telemedicina após a pandemia pode, teoricamente, impactar a realização de testes de baixo valor, como o exame de Papanicolau, a triagem para câncer de próstata em idosos e exames de imagem para casos simples de dor lombar.

Ainda de acordo com Ganguli, que é membro fundador do Mass General Brigham e um professor Associado de Medicina na Harvard Medical School, “queríamos analisar essa questão em nível nacional porque há um debate político ativo sobre se e como o Medicare deve continuar a cobertura de telemedicina, dependendo em grande parte de como a telemedicina impacta a qualidade do atendimento e os gastos”.

Um estudo analisou dados de reivindicações do Medicare de taxa por serviço, referentes ao período entre 2019 e 2022, de cerca de 2 milhões de beneficiários. Esses indivíduos receberam cuidados em sistemas de saúde dos Estados Unidos que adotaram ou não a telemedicina em altas taxas durante a pandemia da covid-19. O período de análise abrangeu tanto o cenário pré-pandemia quanto o impacto do aumento no uso da telemedicina durante a crise sanitária.

Em comparação com pacientes atendidos em sistemas com baixa adoção de telemedicina, aqueles em sistemas com alta adoção apresentaram taxas ligeiramente maiores de visitas totais, que incluíram tanto atendimentos virtuais quanto presenciais. Também notou-se a redução do uso de sete dos 20 testes considerados de baixo valor, entre eles estão:

No caso dos pacientes de sistemas com alta telemedicina também apresentaram menores gastos em visitas por beneficiário e em dois dos 20 testes de baixo valor, embora não houvesse uma diferença geral nos gastos com esses exames.

Esses resultados sugerem que, embora a telemedicina possa reduzir as barreiras ao acesso ao atendimento, ela também pode levar à diminuição da realização de certos exames de baixo valor, especialmente aqueles, como eletrocardiogramas e hemogramas, que costumam ser feitos presencialmente durante ou logo após uma consulta.

“Essas descobertas oferecem mais garantias aos formuladores de políticas de que estender a cobertura da telemedicina pode trazer benefícios como menor uso e gastos em uma série de testes de baixo valor”, ressaltou Ganguli.

Distopias de autoria feminina apostam em filosofia e viagem no tempo

A ficção distópica de contornos femininos, escrita por mulheres e com uma perspectiva que se debruça mais sobre aspectos existenciais e introspectivos do que sobre a ação ganham uma nova prateleira no mercado editorial brasileiro. Três autoras chegam aos leitores com histórias envolventes que convidam a refletir sobre reações e sentimentos em um universo abalado por fenômenos físicos inusitados, curiosos e intransponíveis. Para quem prefere trocar a fantasia alucinógena do carnaval pela distopia especulativa, é uma boa pedida.

Um vaivém de séculos e de planetas é a marca de Mar da tranquilidade, que de tranquilo tem pouquíssima coisa. O sexto romance de Emily St. John Mandel, que fez enorme sucesso com o apocalíptico Station Eleven (transformado em série pela HBO), transita entre 1912 e 2401, anos chave para compreender a história de Olive e Edwin. Ela é uma autora famosa, moradora de uma colônia lunar num estado totalitário, em turnê para divulgar o novo livro, quando irrompe uma pandemia. Ele, aparentemente, é um rapaz de uma família nobre inglesa que se aventura na guerra e acaba presenciando uma anomalia temporal.

Emily St John-Mandel, autora de Mar da tranquilidade

Mar da tranquilidade, apontado por Barack Obama como um de seus preferidos, é um romance sobre pandemia, mas também sobre viagem no tempo. “Eu havia começado a escrever alguns fragmentos de autoficção como um experimento formal no final de 2019, mas comecei a escrever Mar da tranquilidade de fato em março de 2020, nas primeiras semanas em que Nova York estava entrando em lockdown e os casos e mortes estavam aumentando rapidamente”, conta a autora, em entrevista ao Correio. No romance, a pandemia ocorre no século 24, e Olive quase fica presa na Terra e, por muito pouco, não morre da doença. Parte do charme da narrativa está em especular o que pode acontecer se viajantes do tempo avistassem às pessoas sobre fatos do futuro.

Como as mudanças na linha temporal afetariam o curso da humanidade? Olive e Edwin são duas pontas soltas nesse cenário, que é permeado por um ministério que controla as viagens temporais e o que pode ou não ser mudado. A história dividida em saltos e mistérios prende o leitor em uma narrativa considerada por muitos imersiva. “Fico muito feliz quando os leitores acham o trabalho imersivo, porque estou sempre tentando lançar um feitiço”, brinca Emily. “Mas não sei dizer exatamente por que os leitores acham meu trabalho assim. Não tenho objetividade sobre minha própria escrita.”

Se Station Eleven foi seu livro sobre a pandemia, podemos classificar Mar da tranquilidade como pós-pandemia? E, nesse contexto, qual é o futuro da humanidade?

Eu não sei qual é o futuro da humanidade. Na verdade, eu não chamaria Station Eleven de um romance sobre pandemia. É um livro pós-apocalíptico no qual o evento apocalíptico em si é quase incidental. Eu estava muito mais interessada em escrever sobre como o mundo seria vinte anos após um evento apocalíptico do que no evento em si, então aquela pandemia de gripe poderia muito bem ter sido uma catástrofe de outro tipo.

Qual foi a influência da pandemia no Mar da tranquilidade?

Sabemos tanto sobre a covid-19 agora que é fácil esquecer o quão pouco sabíamos no começo e o quão assustador foi. Houve uma semana, no início de abril de 2020, em que 700 pessoas morriam de Covid todos os dias na minha cidade, e o terror daquela época é difícil de descrever. Minha filha tinha 4 anos quando a pandemia começou. Eu não tinha muita ajuda com os cuidados infantis, então, na maior parte do tempo, éramos só eu e ela nos primeiros dias, passando horas e horas juntas. Eu acordava às quatro da manhã todos os dias para escrever o romance antes que ela acordasse. Naquela época, nossa tarefa como pais de crianças pequenas era criar um ambiente tranquilo e esconder nosso medo, e sinto que consegui fazer isso. Foi, de muitas formas, um período muito doce. Um dia naquela primavera, tive uma realização estranha: a vida pode ser tranquila diante da morte. Coloquei essa frase no livro, e ela se tornou a base do título.

Por que criar um romance com viagem no tempo como tema?

Sempre gostei muito de histórias sobre viagem no tempo. Como mencionei, quando comecei a escrever este livro, era março de 2020 em Nova York, e tudo ao meu redor estava horrível. Eu estava interessada em escapismo. Achei que escrever sobre um detetive de viagem no tempo seria divertido.

Mar da tranquilidade pode ser classificado como um romance distópico?

Na verdade, não tenho certeza se chamaria Mar da tranquilidade de distópico. Uma parte do romance apresenta um estado totalitário, mas outra parte envolve um mundo onde a viagem interplanetária é possível e ainda existem turnês de livros, o que é uma visão bastante utópica do futuro. As outras duas partes se passam na Inglaterra e no Canadá em 1912, e em Nova York em 2020.

Tara Selter está presa no dia 18 de novembro. Aconteceu durante uma viagem a Paris, quando pretendia adquirir alguns itens para o negócio de venda de livros antigos que ela e o marido, Thomas, tocam no interior da França. Sobre o cálculo do volume, da dinamarquesa Solvej Balle, é pura ficção científica, já que trata de uma anomalia temporal, mas não segue a estrutura tradicional do gênero. Está mais para um romance filosófico, no qual Tara pouco especula sobre como ficou presa nesse looping temporal e se dedica mais a tentar compreender o mundo a partir dessa nova condição.

Balle começou a escrever o livro em 1987 e, no início, sabia apenas que se tratava de uma mulher presa num dia que se repetia infinitamente. Nos anos seguintes, escreveu algumas cenas, mas ainda não tinha noção de como a história cresceria. “De certa forma, desde o começo eu sabia que essa ideia levantava muitas questões — era meio óbvio que muitos pensamentos existenciais surgiriam dessa premissa —, mas acho que eu não havia percebido o quanto de material havia ali. Desde a maneira como percebemos o tempo até como os objetos materiais se comportam — e como nos relacionamos com eles — ou como nos relacionamos uns com os outros em circunstâncias diferentes”, conta a autora, que transformou a história em sete volumes, dos quais dois foram lançados no Brasil. É uma obra ambiciosa, na qual Balle se propõe a refletir não apenas sobre o tempo e como a humanidade dispõe dele, mas sobre o amor e sua transformação.

Nos primeiros momentos do romance, Tara decide voltar para casa e para o marido, mas a situação se torna insustentável uma vez que, toda manhã, ela precisa explicar a ele e convencê-lo de que está presa no dia 18 de novembro. Ela não perde a memória, mas, para ele, o dia 18 nunca ocorreu antes. “Por muito tempo, achei que era, principalmente, uma história de amor — mas, é claro, uma história de amor bastante filosófica, já que também tratava do comportamento do tempo. Depois, o livro também passou a ser sobre como tratamos o mundo em que vivemos, sobre como reagimos às mudanças e sobre nosso desejo de conhecer mais sobre o mundo ao nosso redor”, conta a autora, em entrevista ao Correio.

O volume um foi publicado na Dinamarca pouco antes dos primeiros confinamentos de combate à covid-19. Na época, Balle, lembra, muitas pessoas interpretaram o romance como um livro sobre estar isolado em casa e desconectado do mundo. É uma leitura possível.

Escritora alemã Marlen Haushofer, autora de A parede

Publicado em 1963, em plena guerra fria, A parede trata de isolamento. A narradora está presa em um chalé nos alpes austríacos, rodeada por uma parede transparente que não consegue transpor. Enquanto tenta entender o fenômeno, ela também precisa se reorganizar mentalmente para lidar com a situação. Acompanhada de um cachorro, uma vaca e uma gata, ela passa então a questionar a sociedade que a rodeia e parece petrificada. Logo começa a perder as referências e a própria identidade feminina é questionada e posta em dúvida. O livro, publicado originalmente em 1968 e adaptado para o cinema em 2012, é um clásico da distopia feminista.

Sobre o cálculo do volume

De Solvez Balle. Tradução: Guilherme da Silva Braga. Todavia, 150 páginas. R$ 69,90

Mar da tranquilidade

De Emily St. John Mandel. Tradução: Débora Landsberg. Intrínseca, 249 páginas. R$ 63,90

A parede

De Marlen Haushofer. Tradução: Sofia Mariutti. Todavia, 252 páginas. R$ 94,90

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Série sobre o crime da 113 Sul estreia hoje no Globoplay

Hoje, estreia na Globoplay a série documental Crime da 113 Sul , projeto de jornalistas da TV Globo de Brasília que busca explorar o caso de 2009. Em 28 de agosto de 2009, a Asa Sul foi palco de um homicídio triplo. Na 113 Sul, José Guilherme Villela, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, sua esposa Maria Carvalho Villela e a empregada Francisca Nascimento da Silva foram encontrados mortos com mais de 70 facadas. Inicialmente, o caso foi visto como um latrocínio.

Os primeiros culpados pela morte foram o ex-porteiro do prédio, Leonardo Campos Alves, e seu sobrinho Paulo Cardoso Santana, que confessaram o crime. Os dois assumiram invadir o apartamento da família para roubar joias e dinheiro. Porém, a história mudou e os acusados disseram que o assassinato teria sido encomendado pela filha do casal, Adriana Vilela.

O caso foi emblemático e levantou diversas dúvidas e polêmicas no processo de investigação. O uso de uma vidente para apontar suspeitos, acusações de tortura por parte de investigadores e a prisão de uma delegada são algumas das reviravoltas do caso. A importância da figura de José Guilherme apressou o processo para identificar o responsável e muitos pontos ficaram soltos. A série revela ao público vídeos e depoimentos inéditos, além de uma releitura das 16 mil páginas do processo. Pela primeira vez, Adriana Villela, filha do casal, fala com a imprensa sobre o crime.

Gabriel Tibaldo, jornalista que conduz as reportagens, conta ao Correio que em uma reunião sobre a complexidade do caso, o interesse em falar sobre esse crime emblemático foi crescendo. “A cada detalhe falado, ficamos mais interessados em fazer a nossa própria investigação. Adriana Villela, condenada por matar os pais, nunca tinha falado anteriormente com tantos detalhes. Conversar com ela foi o primeiro desafio. O jornalismo precisa ouvir todos os lados”, comenta o jornalista.

A investigação para o projeto audiovisual iniciou com o processo escrito e o noticiário da época. Reynaldo Turollo Jr., repórter e roteirista, explica que o trabalho foi norteado pela exigência de dar voz a todos os envolvidos no caso. “Eu e o Joelson Maia (roteirista) queríamos que o roteiro fosse um diálogo constante, com a defesa rebatendo a acusação e vice-versa, o tempo todo. Um Tribunal do Júri nada mais é que um grupo de pessoas como nós, que vai fazer um juízo sem precisar explicar o motivo. Ali, não é o juiz que sentencia, mas são pessoas comuns, que não necessariamente sabem analisar provas. Então, procuramos dar subsídios para cada pessoa que assistir ao documentário fazer sua análise”, destaca Reynaldo.

O roteirista destaca que muitos elementos da história prendem a atenção de quem se interessa por crimes reais. “Uma vidente que aponta ‘suspeitos’, uma carta achada dentro de uma fossa sanitária, um homem que está preso e que descobre na prisão quem são os assassinos. Tudo isso faz essa história ser única. O documentário também traz reflexões sobre a atuação das polícias e a necessidade de se buscar provas técnicas, além dos depoimentos, o que justifica o interesse público pela história”, comenta.

Histórias de crime tem levantado cada vez mais a curiosidade do público e marcado presença nos catálogos de streaming. Para Gabriel Tibaldo, o interesse das pessoas por esses temas vem do desejo de entender com detalhes os principais pontos dessas investigações, ouvindo os personagens da história. Segundo Reynaldo, essas histórias retratam os valores de uma determinada sociedade em uma determinada época. “Mostram que é aceito e o que não é. E mostram como a Justiça trata isso tudo”, comenta o roteirista.

Além do crime da 113 Sul, outros casos no Distrito Federal viraram projetos audiovisuais. Um exemplo é o do assassino Lázaro Barboza que matou quatro pessoas em Ceilândia e foi procurado pela polícia durante 20 dias em 2021. O episódio se tornou uma série. Os 20 dias de Lázaro é uma produção original do Playplus que mostra detalhes dos crimes e da perseguição.

Outro crime que se tornou um filme é o caso Pedrinho. Pedro Rosalino Braule Pinto foi sequestrado após seu nascimento na maternidade Santa Lúcia em 1986 e se reencontra com a família em 2002. A diretora Anna Muylaert se inspirou na história e produziu o filme Mãe só há uma. O filme pode ser alugado na Apple TV.

Na Globoplay, é possível encontrar o programa Linha direta, programa de televisão da TV Globo que apresentava crimes reais. Em um dos episódios, a história de Ana Lídia (foto), de 1973, é o foco. A menina de sete anos foi sequestrada do colégio Madre Carmen Salles na 405 Norte e encontrada morta no dia seguinte.Existe um parquinho dentro da Parque da Cidade em sua homenagem.

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A descoberta de pesquisadores sobre “múmias extraterrestres” no Peru

Pesquisadores afirmaram que encontraram evidências de “obturações de cavidades e evidências claras de trabalho dentário” nas supostas “múmias extraterrestres” descobertas no deserto de Nazca, no Peru.

José Zalce, ex-diretor do Departamento Médico da Marinha Mexicana, junto com uma equipe de pesquisa, estava investigando uma das “múmias” que chamaram de “Antonio” e colocou uma pequena câmera na boca, capturando imagens do que pareciam ser obturações.

Segundo o jornal britânico Mail Online, este tipo de obturação é feito de uma mistura de metais, incluindo mercúrio, prata, cobre e estanho.

Os pesquisadores também examinaram os olhos de “Antonio” e encontraram “tecido ressecado correspondente aos músculos intrínsecos do olho e o que parece ser o resíduo do nervo óptico completamente ressecado”.

“Esta é mais uma evidência clara e irrefutável de que esses corpos são 100% genuínos, reais e orgânicos, tendo estado vivos”, disse o Dr. Zalce.

No ano passado, pesquisadores informaram que, após análise científica nas supostas múmias alienígenas, chegaram à conclusão de os materiais são feitos de ossos de animais terrestres.

As figuras foram achadas com roupas andinas em uma caixa de papelão e foram tidas na época como “evidência de extraterrestres”.

Em coletiva de imprensa, Flavio Estrada, arqueólogo do Instituto de Medicina Legal e Ciência Forense do Peru, disse que a análise das figuras permitiu identificar que eram feitas com ossos animais e humanos colados com material sintético.

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Estilo de vida é o principal definidor da longevidade

Mais do que os genes, exposições ambientais, incluindo o estilo de vida, são as principais causas de envelhecimento e morte prematura, segundo um estudo da Universidade de Oxford, no Reino Unido. A pesquisa, publicada na revista Nature Medicine, avaliou a influência de 164 fatores externos e do risco genético em 22 doenças associadas à longevidade em quase meio milhão de pessoas.

Segundo os pesquisadores, fatores ambientais — de sedentarismo a renda familiar — explicam 17% da variação no risco de morte na população avaliada. Já a predisposição genética foi responsável por menos de 2% dos casos. Tabagismo, condições socioeconômicas e de vida, além de níveis de atividade física, tiveram o maior impacto tanto na mortalidade quanto no envelhecimento biológico.

“Embora os genes desempenhem um papel fundamental nas condições cerebrais e em alguns tipos de câncer, nossas descobertas destacam oportunidades para mitigar os riscos de doenças crônicas do pulmão, coração e fígado, que são as principais causas de incapacidade e morte em todo o mundo”, disse, em nota, Cornelia van Duijn, professora de epidemiologia e autora sênior do artigo. “As exposições no início da vida são particularmente importantes, pois mostram que os fatores ambientais aceleram o envelhecimento no início da vida, mas deixam ampla oportunidade para prevenir doenças duradouras e morte precoce.”

Proteínas

Os autores usaram uma medida de longevidade desenvolvida na Universidade de Oxford para monitorar a rapidez com que as pessoas estão envelhecendo, a partir de níveis de determinadas proteínas no sangue. Isso permitiu vincular exposições ambientais à mortalidade precoce. A métrica foi utilizada anteriormente para detectar mudanças relacionadas à idade em estudos do Reino Unido, da China e da Finlândia.

A pesquisa mostra que, embora muitas das exposições individuais identificadas tenham desempenhado um pequeno papel na morte prematura, o efeito combinado desses múltiplos fatores ao longo da vida — o exposoma — explica em grande parte a variação da mortalidade antes dos 70 anos. Segundo os pesquisadores, os resultados do estudo abrem caminho para estratégias integradas para melhorar a saúde da população, identificando combinações-chave de condições ambientais associadas ao risco elevado de óbitos e doenças associadas à idade.

Austin Argentieri, principal autor do estudo, explica que a abordagem baseada no exposoma permite quantificar as contribuições relativas do ambiente e da genética para o envelhecimento. “(Essa análise) fornece uma visão abrangente dos fatores externos e de estilo de vida que impulsionam o envelhecimento e a morte prematura”, disse.

Intervenções

No estudo, 25 fatores não genéticos foram os que mais influenciaram o envelhecimento e o óbito antes dos 70 anos. Desses, apenas dois (etnia e altura aos 10 anos) não são modificáveis, indicando que é possível intervir precocemente.

“Nossas descobertas ressaltam os benefícios potenciais de focar intervenções em nossos ambientes, contextos socioeconômicos e comportamentos para a prevenção de muitas doenças relacionadas à idade e à mortalidade precoce.”

Dos fatores individuais, o tabagismo mostrou associação com 21 das 22 doenças avaliadas. Inclusive, a exposição intrauterina ao cigarro pode influenciar o risco de óbito prematuro de 30 a 80 anos depois, diz a pesquisa.

“O tabagismo é o fator de risco campeão, que precisamos combater da melhor forma possível e de modo agressivo. Já sabemos por diversos estudos do seu potencial danoso e o estudo atual mais uma vez nos mostra isso”, comenta a médica geriatra Polianna Souza, cofundadora do canal Longidade.

Rodrigo Bovolin, médico oncologista corresponsável pelo serviço de oncologia clínica do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, destaca a influência do estilo de vida em diversos tipos de câncer.

“Os principais incluem tabagismo, consumo excessivo de álcool, sedentarismo, dieta pobre em nutrientes e com baixa ingestão de fibras, obesidade, exposição à poluição ambiental, estresse crônico e exposição solar sem proteção”, lista o médico.

Bovolin ressalta que campanhas preventivas focadas nesses fatores têm demonstrado sucesso na redução da incidência de alguns tipos de câncer.

“A diminuição do tabagismo ao longo das últimas décadas, por exemplo, levou a uma queda nos casos de câncer de pulmão. Intervenções para promoção de dietas ricas em fibras e incentivo à atividade física também têm mostrado impacto na redução do risco de câncer colorretal, de mama e de próstata. Da mesma forma, campanhas educativas sobre o uso de protetor solar e a redução da exposição excessiva ao sol têm contribuído para a prevenção do câncer de pele”, observa o oncologista.

No estudo sobre envelhecimento e mortalidade precoce publicado na Nature Medicine, os pesquisadores da Universidade de Oxford descobriram que as condições socioeconômicas, como emprego, renda familiar e tipo de domicílio, estão associadas a 19 doenças. A falta de atividade física foi relacionada a 17 enfermidades na avaliação. “Nossa pesquisa demonstra o profundo impacto na saúde de exposições que podem ser alteradas por indivíduos ou por meio de políticas para melhorar as condições socioeconômicas, reduzir o tabagismo ou promover atividade física”, reforça Cornelia van Duijn, professora de epidemiologia e autora sênior do artigo

“Sua renda, código postal e histórico não deveriam determinar suas chances de viver uma vida longa e saudável. Mas esse estudo pioneiro reforça que esta é a realidade para muitas pessoas”, comenta Byran Williams, diretor científico e médico da Fundação Britânica do Coração, que não participou da pesquisa. ‘Há muito tempo sabemos que fatores de risco como fumar afetam nossa saúde cardíaca e circulatória, mas a nova pesquisa enfatiza o quão grande é a oportunidade de influenciar nossas chances de desenvolver problemas de saúde, incluindo doenças cardiovasculares, e morrer prematuramente.”

Para a geriatra Polianna Souza, mesmo em idades mais avançadas é possível mudar o prognóstico, com mudanças no estilo de vida. “A gente sempre pode começar atividade física, melhorar nossa alimentação, sempre é tempo de parar de fumar, de evitar consumo de álcool. Também de fazer novos amigos e ter mais convívio social”, observa.

Colégio Bandeirantes promove debate sobre os impactos da IA na educação

Neste sábado (22/2), das 8h30 às 12h, o Colégio Bandeirantes de São Paulo (SP) vai realizar o Band IA Talks, evento que discutirá os impactos da inteligência artificial (IA) na educação e na sociedade. O encontro contará com a atriz e cronista Denise Fraga, a consultora de inovação Martha Gabriel e a especialista em análise de tendências Andrea Bisker, abordando como a IA influencia os estudos, na comunicação e na criatividade. Educadores, professores e profissionais do setor educacional de outras escolas também poderão participar. As inscrições estão disponíveis pelo Sympla – Band IA Talks.

A IA já faz parte da rotina de muitos estudantes. Segundo a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), sete em cada dez universitários ou futuros graduandos utilizam a tecnologia no aprendizado. O Colégio Bandeirantes, reconhecido como Apple Distinguished School e Microsoft Showcase School — selos de excelência inovação educacional com tecnologias dessas empresas — , investe na integração de novas tecnologias na educação desde 2014.

“Vivemos em uma sociedade cada vez mais tecnológica, em que a presença da inteligência artificial é inevitável para os estudos. Por isso, é essencial saber como extrair o melhor dessas ferramentas a fim de preparar os nossos alunos para o futuro”, afirma Emerson Bento Pereira, diretor de Tecnologia Educacional do Colégio Bandeirantes. “A ideia de conversar e entender mais sobre o assunto por meio de especialistas faz parte do nosso compromisso de acompanhar este cenário de mudança global e garantir que nosso conteúdo esteja alinhado com as últimas inovações educacionais”, conclui.

*Estagiário sob a supervisão de Marina Rodrigues

Tratamento a Bolsonaro e Trump é ‘contraste marcante’ entre Brasil e EUA, dizem jornais americanos

Vários jornais fora do Brasil deram destaque à denúncia das autoridades brasileiras contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por um suposto plano de golpe de Estado após ter perdido a eleição de 2022 para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Bolsonaro foi denunciado criminalmente na terça-feira (18/2) pela Procuradoria-Geral da República. A denúncia ainda precisa ser aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que, segundo vários órgãos de imprensa brasileiros e estrangeiros, deve ocorrer na primeira metade deste ano.

Nos EUA, os principais jornais do país destacaram o contraste do tratamento dado pelas autoridades a Bolsonaro com o que aconteceu com o presidente americano, Donald Trump, nos EUA.

O New York Times escreve que, caso a denúncia contra Bolsonaro seja aceita, “os brasileiros poderão assistir a um julgamento televisionado no Supremo Tribunal Federal que pode acabar fazendo de Bolsonaro seu terceiro presidente (após Lula e Michel Temer) nos últimos oito anos a ser enviado para a prisão.”

“Isso proporcionaria um contraste marcante com os Estados Unidos. Bolsonaro e Trump foram ambos indiciados por acusações de fazer pressão para anular eleições. Mas o caso de Trump foi arquivado quando ele retornou ao poder, enquanto Bolsonaro está talvez em seu ponto político mais fraco até agora”, diz o jornal americano.

“Enquanto a Suprema Corte dos EUA decidiu que Trump estava amplamente imune a processos por suas ações como presidente, a Suprema Corte do Brasil agiu agressivamente contra Bolsonaro e seu movimento de direita.”

“O tribunal supervisionou investigações, ordenou prisões e censurou vários dos apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, argumentando que as ações antidemocráticas de seu movimento exigiam uma resposta extraordinária. Agora, os 11 juízes do tribunal poderão decidir o destino de Bolsonaro.”

O New York Times ainda escreve que “as acusações, apresentadas em um documento de 272 páginas, sugerem que o Brasil chegou muito perto de mergulhar de volta, na verdade, em uma ditadura militar após quase quatro décadas de sua democracia moderna”.

“As acusações são o capítulo mais recente de uma saga de anos para o Brasil que incluiu o descrédito de Bolsonaro dos sistemas de votação do país; uma eleição tensa na qual Bolsonaro nunca aceitou totalmente a derrota; uma invasão dos corredores do poder por seus apoiadores; e uma investigação de alto nível que levou seu companheiro de chapa [o general Braga Netto] à prisão desde dezembro.”

‘Tarifas comerciais para pressionar o Brasil’

O Wall Street Journal destacou que Bolsonaro é “um dos aliados mais próximos do presidente Trump na América Latina” e levantou a possibilidade de o governo Trump usar tarifas comerciais para pressionar o Brasil em favor de Bolsonaro.

“Em entrevista ao The Wall Street Journal em novembro, Bolsonaro disse que está contando com o apoio do governo Trump para poder concorrer na próxima eleição presidencial do Brasil em 2026 e retornar ao poder”, disse o jornal.

“É amplamente esperado que o Supremo Tribunal Federal do Brasil aceite as acusações, o que daria início a um longo julgamento que, segundo cientistas políticos, deve aprofundar as tensões políticas no país.”

“Embora Bolsonaro tenha sido impedido de concorrer a um cargo até 2030, ele disse ao [Wall Street] Journal no ano passado que acreditava que Trump poderia aplicar sanções econômicas contra o governo de Lula para ajudá-lo.”

“Trump não respondeu publicamente aos apelos de Bolsonaro. Mas pessoas próximas ao governo Trump disseram que o presidente está aberto a usar tarifas comerciais para pressionar o Brasil e outros países que ele vê como praticantes de algum tipo de guerra jurídica de esquerda, usando tribunais para derrubar oponentes.”

O Washington Post também destacou o contraste entre o tratamento dado por Brasil e EUA a Bolsonaro e Trump respectivamente.

“A decisão do Brasil de investigar e, finalmente, acusar Bolsonaro por seu papel na tentativa de subverter as instituições eleitorais do país — culminando, em última análise, em um ataque violento à sua capital — marcou um forte contraste com as consequências da insurreição de 6 de janeiro nos Estados Unidos, onde o presidente Donald Trump evitou amplamente as consequências”, diz o Washington Post.

“Após seu retorno à Casa Branca, Trump rapidamente perdoou praticamente todos os envolvidos no tumulto de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio dos EUA.”

As denúncias contra Bolsonaro também repercutiram em outros países.

O jornal britânico The Guardian disse que “talvez o mais chocante seja que o relatório de 272 páginas do procurador-geral alegou que Bolsonaro estava ciente de uma suposta conspiração – que, segundo ele, ‘recebeu o nome sinistro de ‘Punhal Verde Amarelo’ – para semear o caos político por meio do assassinato de autoridades importantes, incluindo Lula e o juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.”

Segundo o Guardian, especialistas dizem que Bolsonaro pode pegar entre 38 e 43 anos de prisão se condenado.

O Financial Times, de Londres, também destacou que, se condenado, “Bolsonaro, um aliado do presidente dos EUA, Donald Trump, pode enfrentar uma longa pena de prisão”.

“Bolsonaro, um ex-capitão do exército e queridinho do movimento de direita do Brasil, já se pintou como vítima de perseguição política. Ele já foi declarado inelegível para concorrer a cargos públicos até 2030 por causa de ataques ao sistema eleitoral do país.”

Na Argentina, o La Nación também destacou a denúncia contra Bolsonaro. O jornal também noticiou que o único cidadão argentino que estava entre os investigados não foi denunciado.

“Após os incidentes, a promotoria incluiu na lista de réus o argentino Fernando Cerimedo, especialista em marketing digital que foi consultor político do presidente Javier Milei quando ele estava começando na política. Próximo da família Bolsonaro, ele foi acusado de espalhar informações falsas durante transmissões online sobre a apuração dos votos na eleição presidencial de 2022”, afirma o La Nación.

“No entanto, Cerimedo foi excluído da investigação, por isso se manifestou em suas redes sociais: ‘Por fim e como sempre afirmei, nunca participei de nenhuma tentativa de golpe no Brasil. Hoje o Ministério Público me excluiu da denúncia por não ter relação com aquele suposto evento.'”

Fruta-pinha tem potencial para tratar dor persistente

Conhecida popularmente como fruta-do-conde ou pinha, a Annona squamosa tem potencial analgésico, anti-inflamatório e combate dores persistentes, além de artrite. Um artigo publicado na revista Pharmaceuticals por pesquisadores brasileiros descreveu uma substância encontrada nas folhas da árvore, que pode se tornar um tratamento farmacológico alternativo para a dor. O uso prolongado de opioides e anti-inflamatórios não esteroides pode causar efeitos colaterais, como dependência, úlceras e eventos trombóticos cardiovasculares.

O trabalho envolveu cientistas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o grupo avaliou o extrato metanólico da planta (o metanol é usado como solvente e depois removido por evaporação para obter um extrato seco), além de uma substância isolada, chamada palmatina.

Os autores explicam que a Annona squamosa é utilizada na medicina popular para tratar dores e artrites. Várias propriedades farmacológicas foram observadas, como gastroprotetoras, antibacterianas, antivirais e anti-inflamatórias. “O objetivo do estudo foi investigar o potencial analgésico, antiartrítico e anti-inflamatório do extrato metanólico e da palmatina obtidos da Annona squamosa”, afirma Marcos José Salvador, professor titular do Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp e coautor da pesquisa.

As folhas da planta foram secas e transformadas em pó. As substâncias a serem analisadas foram então extraídas. O extrato metanólico e o alcaloide palmatina foram administrados oralmente em camundongos e estudados em vários modelos experimentais, incluindo pleurisia (inflamação da pleura, membranas que revestem os pulmões e a parede torácica) induzida por uma substância chamada carragenina; inflamação articular induzida por zimosana; e hiperalgesia mecânica (aumento da sensibilidade a estímulos dolorosos), induzida por TNF (fator de necrose tumoral, uma proteína sinalizadora produzida por células de defesa que desempenha um papel crucial na regulação da resposta imune).

“Os resultados mostraram que o extrato metanólico e a palmatina extraídos de A. squamosa têm potencial analgésico e anti-inflamatório. A palmatina também tem propriedades anti-hiperalgésicas, que podem envolver a inibição da via mediada pelo fator de necrose tumoral”, explicou Salvador à Agência Fapesp. “Também concluímos que a palmatina pode ser um dos componentes responsáveis pelas propriedades antiartríticas da planta.”

Segundo os pesquisadores, as conclusões da análise são muito relevantes e ajudam a comprovar os efeitos terapêuticos das amostras analisadas e a elucidar seus mecanismos de ação, que ainda não são totalmente compreendidos. No entanto, mais estudos são necessários antes que possam ser usados na prática para tratar doenças. “É preciso avaliar se, em outras formulações, os efeitos e as propriedades farmacocinéticos da palmatina seriam alterados”, afirma Salvador, ressaltando que pesquisas adicionais devem avaliar a toxicidade dos compostos e as doses necessárias para atingir o efeito terapêutico para uso clínico.

Análise: reforma ministerial é mais problema do que solução

A reforma ministerial volta a ser tema em Brasília, como meio para resolver as fragilidades políticas do governo. Não é só no PT que a falação sobre reforma dá problema e gera conflito. Nos partidos que aspiram ministérios e nos que já comandam ministérios, também. A roda de cadeiras de ministros raramente funcionou. Na atual conjuntura, nomear ministros de partidos que têm influência no bloco majoritário que domina a Câmara e o Senado garante menos apoio no Legislativo do que no passado. São partidos sem compromisso algum de lealdade, cujo voto é movido a emendas.

Como o Congresso controla a maior parte das emendas, não há incentivos legais e legítimos para que eles apoiem as propostas do governo. A demanda dos parlamentares nem é mais por emendas, é pelo controle sobre elas sem maiores interferências e avaliações. Essa transferência da execução de parte do orçamento para o Legislativo está sob julgamento no Supremo Tribunal Federal. A pressão sobre o governo é para que ele não apoie as decisões do STF sobre transparência e limites à discricionariedade das alocações dos recursos pelos deputados.

As reclamações de excesso de ministérios para o PT e de desproporcionalidade entre os partidos da coalizão pressupõem que todos tenham grau de apoio ao governo similar. Mas isso não acontece. Os partidos do bloco da esquerda e o MDB, tradicional aliado, se alinham mais com as propostas do governo. Os partidos do Centrão, como União, Republicanos e PP, não dão nenhuma garantia firme de apoio. O PSD tem posição oscilante. No momento, está mais afastado do governo e mais próximo da ultradireita. Seu presidente, Gilberto Kassab, parece confuso sobre qual identidade quer para o partido, se de um partido equilibrado de centro-direita, ocupando o vazio deixado pelo PSDB no eixo da disputa presidencial, se de um partido de direita com apoio da extrema-direita, para ocupar o lugar de Bolsonaro, inelegível. É o que explica suas declarações contraditórias. Sempre foi um político astuto, mas agora está em um dilema que não consegue resolver. Eu diria que as duas figuras que ilustram o dilema de Kassab são o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

O governo Lula tem problemas, alguns bastante evidentes, e não se resumem a questões de comunicação. Mas suas maiores fragilidades estão no Congresso, onde é minoritário, em um plenário dominado por um grupo de partidos invertebrados, visão muito estreita, oportunistas e predadores do Orçamento público. Bancadas de tamanho mediano e faccionadas só formam maiorias oportunistas e instáveis. O presidente não tem como unir as facções partidárias em uma maioria coesa. Esse poder foi de Arthur Lira, quando presidente da Câmara, ainda no governo Bolsonaro. Com o orçamento secreto, ele passou a comandar essa maioria amorfa. A proibição do orçamento secreto pela então ministra do STF Rosa Weber, que teve o apoio do plenário, foi o gatilho que gerou a crise das emendas que ainda não se resolveu. A operação política, ainda sob comando de Arthur Lira, foi substituir o orçamento secreto, que permitia a distribuição de recursos públicos com zero transparência, pelo controle das emendas, tentando manter o máximo de discricionariedade e anonimato na sua alocação. O risco é abrir espaço para corrupção.

A reforma política pode melhorar a relação do governo com a sociedade organizada que o apoia e com os eleitores fiéis, muitos descontentes com o desconforto econômico continuado. Mas é pequena a possibilidade de que melhore a chamada articulação política com o Legislativo. Isso dependerá de alguns fatores ainda incipientes. O principal deles é o grau de comando que os novos presidentes das Casas do Congresso, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, terão sobre as bancadas. Alcolumbre já presidiu o Senado, tem agenda própria madura, é possível que consiga o mesmo poder de agenda que teve Rodrigo Pacheco. Hugo Motta é ainda uma incógnita, não se deve tomar sua votação recorde como parâmetro para a influência e o poder que exercerá. Ainda não é possível dizer se conseguirá ser tão poderoso como Arthur Lira, ou mais vulnerável às pressões do Centrão, do qual, como seu antecessor, é parte, e da oposição que concentra os apoiadores de Bolsonaro e a extrema-direita. Um mau sinal foram suas primeiras declarações negando a óbvia e demonstrada tentativa de golpe e sobre anistia aos golpistas. Deveria ler o relatório da Polícia Federal.

Como ‘Ainda Estou Aqui’ influenciou STF ao reabrir debate sobre Lei da Anistia

O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a analisar ações que questionam a Lei de Anistia, que perdoou crimes cometidos na Ditadura Militar (1964-1985).

Após anos sem julgar o tema, a Corte decidiu, nesta semana, dar repercussão geral a recursos que tentam destravar processos criminais contra acusados de matar opositores do regime, entre eles o deputado Rubens Paiva, cujo desaparecimento é tema do filme Ainda Estou Aqui, indiciado a três categorias do Oscar.

Quando um caso recebe repercussão geral significa que a decisão do STF valerá para todos os processos semelhantes em andamento no país. A Corte, no entanto, ainda vai julgar o mérito desses recursos — ou seja, decidir se a Lei da Anistia deve ou não ser revista. E não há previsão de data para isso por enquanto.

Para juristas especialistas em Lei da Anistia ouvidos pela BBC News Brasil, a retomada do tema no STF foi impulsionada pelo filme Ainda Estou Aqui, que se tornou um sucesso de bilheteria e crítica ao contar a história do assassinato de Rubens Paiva, deputado cassado pelo regime militar, e os impactos de seu desaparecimento sobre sua família nos anos 1970.

O filme, dirigido por Walter Salles e inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do deputado, já coleciona premiações internacionais como o Globo de Ouro pela atuação de Fernanda Torres e o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza.

Também recebeu três indicações ao Oscar, cuja premiação ocorre em 2 de março: Melhor Filme, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz (para Fernanda Torres, que interpreta a viúva Eunice Paiva).

Para o procurador da República Sérgio Suiama, do Grupo de Trabalho Justiça de Transição do Ministério Público Federal (MPF), o sucesso do filme influenciou o STF a voltar a analisar a Lei da Anistia agora.

“Com certeza. Estava tudo parado há anos”, ressaltou à BBC News Brasil.

Ele é um dos autores da denúncia criminal apresentada em 2014 contra cinco ex-integrantes do sistema de repressão da ditadura militar acusados de assassinato e ocultação do cadáver de Rubens Paiva. Depois disso, porém, três já morreram.

A denúncia foi aceita pela Justiça em primeira instância e o Tribunal Regional da 2ª Região confirmou a abertura do processo, mas uma decisão do STF parou o andamento do caso ainda em 2014, por entender que violava a Lei da Anistia.

Foi uma liminar do ministro Teori Zavascki, falecido em 2017, seguindo o entendimento do plenário da Corte, que, em 2010, decidiu pela constitucionalidade da Lei da Anistia.

Depois disso, porém, o Brasil foi condenado duas vezes na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entendeu que a Lei da Anistia impede a investigação e a responsabilização de graves crimes contra a humanidade, sendo incompatível com a Convenção Americana.

As condenações internacionais deram fôlego a novos recursos no STF, mas a Corte passou a evitar o tema. Apenas agora o Supremo retomou o caso de Rubens Paiva e outros ao decidir pela repercussão geral de recursos do MPF contra a liminar de Zavascki e outras decisões que paralisavam processos semelhantes.

Defensores da Lei da Anistia, adotada em 1979, dizem que ela foi necessária para “pacificar” o país e abrir espaço para o fim do regime militar, que só acabou em 1985.

Grupo de exilados na Embaixada da Iugoslávia, em 1964; entre eles, Rubens Paiva (3° da dir. para a esq.)

Eles argumentam que a anistia valeu para os dois lados, ao ter perdoado também opositores do regime que teriam cometido crimes em ações para tentar derrubar a ditadura.

A lei abriu espaço para a volta de exilados políticos, mas excluía da anistia os militantes já “condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”.

O efeito 8 de janeiro

Além do sucesso do filme de Walter Salles, outros juristas entrevistados também atribuem à retomada da discussão da Lei da Anistia aos ataques de 8 de janeiro de 2023, em que bolsonaristas radicais insatisfeitos com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.

O STF já condenou, com penas duras, dezenas de pessoas por esse ataque, visto pela maioria da Corte como uma tentativa de golpe de Estado — entendimento questionado, recentemente, pelo novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

No momento, parlamentares aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro tentam aprovar uma anistia a esses condenados no Congresso, argumentando que muitas pessoas foram julgadas sem provas e com penas exageradas.

“O caso do Rubens Paiva estava adormecido há muitos anos, assim como tantos outros, e veio então essa conjuntura: de um lado o 8 de Janeiro e de outro o Oscar”, analisa José Carlos Moreira Filho, professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Filme que retrata caso do deputado Rubens Paiva ajudou a reabrir debate no STF

“Foram dois eventos que acabaram criando um ambiente muito mais favorável à continuidade desses casos, que estavam simplesmente parados”, reforçou à reportagem.

Segundo o procurador da República Marlon Alberto Weichert, que também atua pelo MPF em casos da ditadura militar, “o sucesso do filme despertou uma nova onda de discussão do assunto”, enquanto “a crise democrática”, com seu ápice no 8 de janeiro, “mostra que esses assuntos [os crimes da Ditadura Miliar] estão muito mal resolvidos”.

“É aquilo que nós não estamos falando há mais de 20 anos: essa questão não está resolvida e nunca estará resolvida enquanto realmente o Supremo Tribunal Federal não rediscutir a questão e não compatibilizar o Brasil com o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos”, disse à BBC News Brasil.

De acordo com Weichert, há mais de cinquenta casos travados pela Lei da Anistia que podem ser potencialmente impactados por uma revisão do STF — algo que incomodaria as Forças Armadas.

Muitos dos acusados, porém, já podem estar mortos, o que levaria ao arquivamento de processos.

Entenda os recursos em julgamento

As ações sobre a Lei da Anistia retomadas no STF argumentam que a Constituição brasileira e acordos internacionais assinados pelo Brasil não permitem perdoar crimes de graves violações de direitos humanos cometidos por agentes do Estado de forma sistemática, como torturas e assassinatos de opositores da Ditadura Militar.

Outro argumento é que a anistia não poderia incluir crimes continuados ou permanentes, como o desaparecimento de corpos que nunca foram localizados, como ocorreu com Rubens Paiva — um cenário possível é que o STF acolha apenas esse segundo argumento, o que permitiria apenas processar os acusados por crime de ocultação de cadáver.

Na sexta-feira (14/02), o STF começou a julgar no plenário virtual três recursos em conjunto. Além do caso de Paiva, está em análise tentativas de processar acusados das mortes de Mário Alves de Souza Vieira, dirigente do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), e de Helber José Gomes Goulart, militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN).

Os restos mortais de Vieira seguem desaparecidos, enquanto os de Goulart foram localizados em 1992 no Cemitério de Perus, em São Paulo, onde estava enterrado como indigente.

Até à noite de sexta-feira, quatro ministros tinham votado a favor da repercussão geral dos três casos: Alexandre de Moraes (relator dos casos), Luiz Fux, Flávio Dino, e o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.

Rubens Paiva entre sua mulher, Eunice (à esq.), a sua mãe e os cinco filhos

De acordo com a assessoria do STF, bastam quatro votos dos onze ministros para que seja aprovada a repercussão geral. O julgamento, porém, continua até a próxima sexta, para que os demais ministros se manifestem.

Outro julgamento sobre Lei da Anistia havia começado no plenário virtual no dia 7 de fevereiro e foi encerrado na noite de sexta-feira (14/02).

Nesse caso, relatado pelo ministro Flávio Dino, dez ministros votaram pela repercussão geral de um recurso que tenta autorizar um processo criminal contra responsáveis pelo desaparecimento de militantes na Guerrilha do Araguaia, movimento que combateu a ditadura militar entre o final da década de 1960 e o início de 1970.

Até o encerramento do julgamento, apenas André Mendonça não havia se manifestado, segundo o sistema do STF.

Também não houve análise de mérito nesse julgamento — e o fato de os ministros terem votado pela repercussão geral não significa que vão, necessariamente, apoiar a revisão da lei.

Dino, porém, já propôs uma tese de que o desaparecimento de corpos é um crime permanente e não pode ser perdoado pela anistia. Ele citou o filme de Walter Salles em seu voto.

“O crime de ocultação de cadáver tem, portanto, uma altíssima lesividade, justamente por privar as famílias desse ato tão essencial (o sepultamento). No momento presente, o filme “Ainda Estou Aqui” – derivado do livro de Marcelo Rubens Paiva e estrelado por Fernanda Torres (Eunice) – tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros”, escreveu.

“A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas como a de Zuzu Angel à procura do seu filho”, continuou, em seu voto.

Além desses recursos, há outra ação que questiona de forma mais ampla a Lei da Anistia, uma Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) apresentada pelo PSOL em 2014, de relatoria do ministro Dias Toffoli.

A expectativa dos especialistas é que os recursos que agora ganharam repercussão geral e essa ADPF possam ser julgados conjuntamente pelo STF, mas ainda não há qualquer previsão de data para isso.

Os relatores dos casos ainda precisam concluir seus votos sobre a possibilidade de rever ou não a Lei da Anistia, para depois o presidente do STF marcar o julgamento. O mandato de Barroso no comando da Corte vai até setembro.

O que diz o advogado dos acusados de torturar Rubens Paiva

Em entrevista à BBC News Brasil no ano passado, o advogado Rodrigo Roca, que representa os acusados de torturar e matar Rubens Paiva, questionou a argumentação de que os crimes da ditadura podem ser enquadrados como crimes contra a humanidade.

Na visão de Roca, para ser um crime contra a humanidade, a conduta precisa ter sido voltada contra uma população civil, o que, segundo ele, não seria o caso.

“Uma conduta para ser considerada crime contra a humanidade, ela precisa se voltar contra a população civil como um todo. E não contra determinados grupos insurgentes. Isso legalmente, ou seja, tecnicamente, penso até que dogmaticamente, não poderia jamais ser tipificado como crime contra a humanidade”, disse.

O advogado afirmou ainda que o processo movido pelo MPF que busca um desfecho para a morte de Rubens Paiva, iniciado durante o governo Dilma e na esteira das conclusões da Comissão da Verdade, teve um “viés político”.

Segundo ele, sempre que um governo de esquerda chega ao poder, há um “recrudescimento desse movimento”, que ele qualifica como “delírios”.

“É preciso se perguntar antes a quem isso vai interessar, qual é a relação custo-benefício de uma nova mobilização dessas, do governo, de alguns setores do judiciário, em torno de pessoas com questões jurídicas plenamente resolvidas, quer dizer, é uma perda para todos, é uma guerra sem vencedores”, acrescenta.

“Há um revolvimento de uma matéria jurídica já bem desgastada e resolvida do ponto de vista social. Caberia ao plano jurídico apenas aderir a essa consciência popular e por um fim nessa história”, acrescentou, na ocasião.